Mediação e Interação
Trânsito à Margem do Lago, pelo seu caráter efêmero, se desdobra em outras ações de naturezas diversas. Optamos por pluralizar os meios de estender a ação original, apresentamos alternativas de entrada ao trabalho, contamos com a linearidade do livro, o dinamismo temporal do blog, a objetividade do mapa, a aderência ao real da fotografia, a volatilidade do relato oral, o atravessamento cultural da tradução. Cada uma dessas vias de acesso se caracteriza por uma configuração que prioriza um ou outro sentido ou percepção. Assim, o conjunto de parcialidades, que se entrecruzam em ordenações diversas, pode compor uma experiência mais próxima da ação original – uma experimentação de relações humanas e lugares, muitas vezes díspares, muitas vezes homogêneos –, vivenciada por cada um a partir de múltiplas mídias de acesso.
Essas escolhas acabam por aproximar Trânsito à Margem do Lago de propostas características da arte pública, da crítica institucional e da arte conceitual, pois debruça‐se sobre o espaço público, considera as relações sociais, investiga estruturas de poder e se desdobra em distintas ideias. Associa experiência, reelaboração, análise e posicionamento político. Atravessa campos de atuação do artista e se articula com diferentes instâncias da vida, transita entre o universo privado e o público. Implica várias personas atuantes e (des)materializa‐se em meios diversos. Uma prática do tempo alargado que se transforma diante das situações e dos papéis exercidos por quem a atravessa.
Blanco¹ et al. (2001, p. 32‐36), a partir de Suzanne Lacy, aponta para algumas concepções sobre os possíveis papéis exercidos pelo artista tendo em vista diferentes modos de se fazer arte pública, seus propósitos e suas estratégias estéticas. O artista é caracterizado como experimentador, informador, analista e ativista. Tais papéis não são fixos; assim como cotidianamente vivemos num trânsito contínuo entre as esferas pública e privada e adotamos diferentes modos de fazer e de ser, também se altera o posicionamento do artista. Essas posições são definidas pelos propósitos do trabalho e está em jogo a capacidade de mediação e interação em relação à ordem pública.
Em Trânsito à Margem do Lago, pode‐se dizer que o posicionamento do artista é alterado várias vezes no decorrer do processo, passando por experiências pessoais e compilação de informação – características do âmbito privado – à análise de informação e formas ativistas de ação – características do âmbito público.
No Deslocamento à Tríplice Fronteira evidencia‐se uma atitude de experimentadores/informantes, pois partimos de experiências, memórias e desejos pessoais; adentramos um lugar desconhecido; reunimos informações de fontes diversas e nosso relato público foi uma mescla entre cenas da viagem, referências a marcos históricos, dados do lugar e nossa interpretação e intenção inicial. Assim como no texto de Blanco et al. (2001), consideramos que mesmo as experiências pessoais têm implicações sociais; vinculadas ao desejo e aos valores, quando adentram o âmbito público podem ser ferramenta legítima de questionamento do espaço vivido. Para Blanco et al., onde não existem critérios fixos para afrontar os problemas sociais mais urgentes, só podemos contar com nossa própria capacidade para sentir e ser testemunhas da realidade que nos circunda.
Enquanto artistas analistas, chegamos à definição de um lugar carregado de significados pessoais e públicos, de um tempo que determinasse um ciclo comum, de modos de deslocamento cotidianos e formas relacionais baseadas no contato direto, tendo em vista uma ação que pudesse dar conta dos novos vazios gerados a partir do Deslocamento à Tríplice Fronteira. Essa função analista surge também em outros momentos, principalmente após cada situação coletiva, como no retorno da deriva ou nos dias subsequentes ao encontro Relações de Fronteira (Curitiba, 2010) e a decupagem dos arquivos para a montagem da exposição 5 Lagos. Blanco et al. também ressaltam a qualidade colaborativa desse posicionamento, que se liga com atividades intelectuais diversas, como as ciências sociais, o jornalismo investigativo e a filosofia; isso geraria um desvio de nossa apreciação estética para a valorização da forma ou do significado das construções teóricas. Tal característica é valiosa na concepção de Trânsito à Margem do Lago; desprendendo‐se do objeto de arte por meio da sua multilocalização, a proposta adota como produção estética a resultante imaterial das diversas ações e suas extensões, distribuídas e possíveis de serem reproduzidas gratuitamente².
O aspecto ativista – ou, segundo Blanco et al., o posicionamento do artista em que a prática artística se contextualiza em situações locais, nacionais ou globais, convertendo o público em participante ativo – está presente de modo articulado nas outras etapas do trabalho, mas evidencia‐se em algumas ações, como no encontro Relações de Fronteira (Curitiba, 2010), que reuniu artistas e ativistas para tratarem de suas experiências artísticas e/ou expressivas acerca de questões culturais de fronteira; no Caderno de Viagem que congrega uma diversidade de discursos (cultura, consumo, ações alternativas, poesia, criação, arte, etc.); e na exposição 5 Lagos, com a colaboração de pessoas que encontramos durante a deriva, por exemplo. Essas ações levaram, de modos diferentes, à configuração de espaços de convívio e reflexão sobre o lugar onde se vive e, de uma maneira menos eminente, configuraram uma rede de colaboração.
O posicionamento ativista aparece também na criação de um público
não especializado, quando o artista faz do espaço comum seu principal
ambiente de ação e se direciona aos contatos pessoais em diferentes
extratos sociais. Ou mesmo quando adentra a campos de atuação
tradicionais, convertendo‐os em zonas de experimentação e
questionamento, lugares a serem ocupados, estruturas a serem
remodeladas, limites a serem pressionados. Pois não se trata mais de
combater as instituições exclusivamente nos termos da Arte de Crítica
Institucional de 1960/1970³, mesmo porque a maioria de nossas
instituições públicas está longe de ser um cubo branco. A questão passa
a ser: fazer valer a função pública dessas instituições, no sentido de
valorização da cultura, ampliação do acesso, diversidade, incentivo à
produção heterogênea, pesquisa, educação, etc.
1. BLANCO et al. Modos de hacer: arte crítico, esfera pública y acción
directa. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2001.
2. Licença Creative Commons versão 2.5.
3. O espaço de exposição era percebido não somente em termos de
dimensões básicas e proporção, mas como um disfarce institucional, uma
convenção normativa de exposição a serviço de uma função ideológica. Os
aspectos arquitetônicos aparentemente benignos de um museu/galeria, em
outras palavras, eram considerados como mecanismos codificados que
ativamente dissociam o espaço de arte do mundo externo, potencializando
o imperativo idealista da instituição que definia a si e aos seus
valores hierárquicos como “objetivos”, “desinteressados” e
“verdadeiros”. (KWON, M. Um lugar após o outro: anotações sobre site
specificity. Arte&Ensaios. Rio de Janeiro, EBA-UFRJ, n. 17, dez. 2008a,
p. 166-185. Tradução: Jorge Menna Barreto. Texto originalmente publicado
na revista October 80, primavera, 1997: 85-110.)
Urbano
FACAS: Lâminas de cortar grama danificadas não servem mais para nada, é sucata, é lixo. Olhando assim dá para aproveitar. Serra de traçador. Saibro de motoserra, dá um facão para cortar qualquer coisa, para cortar bife bem fininho. Disco para policorte, para mármore ou para asfalto, no máximo do comprimento dá, tem marcas que são boas e outras que não prestam. Normalmente preparo um pacote inteiro de lâminas. O cabo é feito de caco de PVC, restos que vem da SANEPAR, do Parque Aquático. Num dia consigo encabar (esquentar, colocar na prensa, cortar e rebitar) 12 facas, se trabalhar só nisso. A maior parte dos desenhos se faz como na tradição das facas, mas se alguém quer um desenho especial se faz como o cara quer.
PANELAS: Tampas sem alça coloco um pegador. Elas aparecem assim, sem nada, aí tem que colocar alça. Panelas de pressão: cortada, para fazer fritura; Mais alta, para fazer polenta. Comecei a fazer esse tipo de panela porque usava essa sobra, cortava em tiras para fazer alças.
FERRAMENTAS: Um machado sem cabo não vale nada. A gente trabalha uma madeira de guajuvira para a pessoa poder usar.
BANANEIRA DE JARDIM: Criada da semente, leva na faixa de cinco anos para fazer um único cacho, a semente está dentro dessa banana. Depois que o cacho amadurece a banana cai, e planta‐se novamente a semente.